Sugestões de amigos no Facebook, rotas traçadas pelo Waze e opções personalizadas de compras no Google: três situações corriqueiras no dia a dia promovidas pela Inteligência Artificial (IA). A tecnologia parece nova, mas não é. O inglês Alan Turing (1912 – 1954), que desenvolveu a máquina capaz de decifrar as estratégias nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, publicou, em 1950, o artigo "Computing Machinery and Intelligence".
O texto do matemático é considerado o pontapé inicial da inteligência artificial. No artigo, ele tenta responder se a máquina pode pensar e introduz o que mais tarde ficaria conhecido como “teste de Turing”. O teste serve para identificar a “inteligência” de uma máquina. A ideia é que, ao fazer perguntas a um computador e um ser humano, seria impossível diferenciar as respostas dadas pela máquina. Seis anos mais tarde, em 1956, John McCarthy cunhou o termo “Inteligência Artificial”.
A questão é que naquele momento não existia possibilidade de desenvolvimento da tecnologia, segundo o professor de engenharia de software da Universidade de Brasília (UnB), Sergio de Freitas. “Não havia poder computacional nem o entendimento de que a inteligência humana e a computacional pudessem ser ligadas”. Freitas explica que a inteligência artificial tenta chegar ao mesmo resultado que os humanos, mas utilizando outros métodos. “Logicamente, a inteligência artificial vai chegar a soluções mais rapidamente. Muitas vezes, ela vai proporcionar outras informações, que apenas o especialista poderia fornecer. Você tem a possibilidade diante da IA explicar os porquês melhor”.
Deep Blue
A inteligência artificial nunca deixou de ser pesquisada pelas grandes empresas. A IBM, umas das maiores do mundo em tecnologia de informação, pesquisa o tema há mais de 50 anos. “Temos uma unidade de pesquisa muito forte. Boa parte de tudo que a gente cria veio da nossa unidade de pesquisa, a IBM Research”, destaca Roberto Celestino, da IBM Brasil.
A empresa foi responsável por criar o Deep Blue, conjunto de hardware e software que venceu o campeão mundial de xadrez Garry Kasparov. O russo jogou contra o computador em 1996, perdendo apenas a primeira partida de seis que foram realizadas. Em 1997 foi diferente: duas vitórias do Deep Blue, dois empates e uma vitória de Kasparov.
O jogo foi amplamente noticiado pela imprensa à época, a vitória foi inclusive contestada por Kasparov. Polemicas à parte, o computador representou um grande salto tecnológico. “O primeiro da IBM – o Deep Blue – utilizava informações de especialistas. Ele compilava todos os dados e tinha a capacidade de processar as informações de forma rápida”, explica o professor Sérgio de Freitas. Com a evolução da tecnologia, os computadores começaram a ter capacidade de aprender. “Esse aprendizado do zero equivale ao processo de aprendizagem de uma criança de três ou quatro anos. A capacidade de aprendizagem é muito grande e rápida dos computadores atualmente”, destaca.
Diferente das pesquisas iniciais, nas quais o computador precisava partir de uma base de dados consolidada, agora os softwares podem aprender com a rotina. Depois de conhecer os procedimentos, eles atuam na otimização de forma automática. O Deep Blue foi aposentado e está exposto no Museu Smithsonian, em Washington (EUA).
Em 2005, a IBM começou a trabalhar no Watson, o atual substituto do Deep Blue. O novo motor de inteligência artificial foi apresentado ao público em 2011. Diferente do desafio de xadrez encarado pelo Deep Blue, o Watson foi posto à prova no Jeopardy – programa de televisão onde o apresentador traz respostas e os concorrentes precisam adivinhar as perguntas. No desafio, o software ganhou dos dois maiores vencedores da competição. Desde então, a IBM vem oferecendo a ferramenta para o mundo, lembra o líder de vendas do Watson no Brasil, Roberto Celestino. “O banco Bradesco foi o primeiro a utilizar o programa em terras brasileiras em 2015. O Watson era treinado apenas em inglês, o Bradesco foi uma das empresas que possibilitou treinar o Watson para a língua portuguesa”, destacou. A BIA (Bradesco Inteligência Artificial), novo aplicativo de relacionamento do banco, foi desenvolvido pelo Watson.
O Watson é apenas um dos exemplos de motores de inteligência artificial atuando no mundo. A Siri, do Iphone, e a TensorFlow, do Google, são outros softwares de inteligência artificial muito utilizados. A ideia básica é oferecer uma gama de serviços. “Existe um conteúdo genérico que você pode utilizar, a partir daquilo vai gerando seu próprio conhecimento”, explica Celestino. O Watson é utilizado em mais de 20 tipos de indústrias. “Em educação, por exemplo, utilizam inteligência artificial para o relacionamento com o aluno ou para ajudar na jornada de aprendizado. O estudante pode precisar de um acompanhamento diferenciado porque ele tem um alto grau de desafio à autoridade. Então, eu tenho que oferecer atividades que ele vá trabalhar essa questão”, relata.
Com a diversificação das funções, a capacidade de compilar dados e a possibilidade de aprendizagem, a inteligência artificial pode atuar otimizando gastos e aumentando a produção. Os motores de inteligência têm condições de “escutar nossa voz e analisar as pesquisas que a gente faz. Transforma tudo isso em dados e traça um perfil”, explica o especialista da UnB, Sergio de Freitas.
Corrida tecnológica
Coletar dados e aprender sobre os gostos individuais de cada um dos mais de sete bilhões de habitantes do planeta tem um valor inestimável. De olho nisto, as grandes corporações têm investido pesado em pesquisa revivendo tempos passados.
Uma das guerras tecnológicas mais emblemáticas foi a corrida espacial. Em meados de 1950, a Nasa, Agência Espacial Norte-Americana, e a Roscosmos, do lado soviético, competiam para saber quem sairia da terra primeiro. A primeira vitória foi da União Soviética. Em 12 de abril de 1961, Yuri Gagarin, fez uma volta na terra em 108 minutos. Oito anos depois, em 1969, veio o troco americano. Neil Armstrong, nascido no estado norte-americano de Ohio, foi o primeiro homem a pisar na lua.
Essa batalha, de certa forma, está sendo revivida, mas sem a sombra da Guerra Fria por trás. Agora, não são os governos americanos e da União Soviética que desenvolvem tecnologia para conquistar o espaço, são empresas multinacionais tentando desenvolver o primeiro cérebro “não humano”. Somente em 2016, Google, Facebook e Microsoft investiram US$ 20 bilhões em inteligência artificial.
A Intel estima que em 2025 o mercado de produtos e serviços chegue a US$ 36,8 bilhões. Essa briga de gigantes é liderada por China e Estados Unidos. Um estudo do Massachusetts Institute of Technology (MIT) mostra que os chineses foram responsáveis pela publicação de cerca de 600 estudos sobre inteligência artificial em 2016. Os americanos fizeram quase 500. Os outros países ainda estão longe. Inglaterra, Japão e Alemanha têm cerca de 100 publicações. Em 2012, o número de estudos sobre o tema era quase inexistente.
“Essa é uma guerra com um vencedor já consagrado”, aponta o presidente da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), Guto Ferreira. “Não existe mais possibilidade de ultrapassar a China. Com a tecnologia ela consegue destruir e construir qualquer mercado global”. Ferreira explica que a inteligência artificial terá o poder de acessar dados do mundo todo. “As IAs vão brigar e a que possuir maior capacidade vai vencer”.
O líder de vendas do Watson no Brasil, Roberto Celestino, tem um discurso mais conservador. “Existem várias teorias de onde a inteligência artificial pode chegar, mas as grandes empresas que estão trabalhando têm como objetivo facilitar a vida do ser humano. Trabalhar junto com o ser humano. Um médico ou advogado não tem condições de ler tudo que está sendo gerado, a inteligência artificial é uma ferramenta para ajudar o indivíduo a ter sucesso na profissão”.
O professor Sergio de Freitas vê similaridades entre a corrida espacial e iniciativas de desenvolvimento da IA, entretanto pontua que não são apenas dois players na atual batalha. “A tecnologia para chegar à Lua tinha desenvolvimento dos países porque precisava de muito hardware. Eram tecnologias físicas, como propulsores. Agora, você consegue fazer tudo com o computador”. Como os computadores são acessíveis, o desenvolvimento é pulverizado, lembra o professor. “Um cara da Índia pode desenvolver como outro do Brasil. Os algoritmos que dão origem a esses processos estão espalhados. Mas isso não quer dizer que EUA e China não têm intenções maiores e invistam mais recursos neste determinado momento”.
O investimento é um balizador. O Brasil, apesar de não ser um dos grandes players no assunto, possui um mercado atrativo. Neste ano, a estimativa de gastos com o setor está em US$ 182,5 milhões. O presidente da ABDI acredita que em saúde e inteligência de drones o país pode desenvolver boas pesquisas. “Os drones têm uma programação relativamente simples. Ele pode, por exemplo, levantar todo dia e mapear uma plantação, ele vai acumulando dados e consegue apontar possíveis problemas de forma mais rápida do que no sistema convencional”. Na saúde, Ferreira destaca que uma pulseira de monitoramento pode ajudar na triagem dos pacientes. “Você diminuiria as filas com uma triagem muito mais assertiva”.
Na indústria também é possível observar bons rendimentos de empresas brasileiras que aplicaram inteligência artificial. Soluções voltadas para caldeiras (tradicionais em diferentes ramos da indústria) conseguem aumentar a produtividade em até 10%. A questão é que a tecnologia que teve sua gênese há quase 70 anos ainda é uma criança e com expectativa de vida sem precedentes. Sua evolução passa obrigatoriamente por debates sobre segurança e ética no desenvolvimento.