O Brasil é o maior produtor mundial de café. De acordo com estimativa da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), até o final de 2018 serão produzidas 60 milhões sacas de 60 quilos – safra recorde que supera em 33,2% a colheita de 2017. Essa quantidade de café poderia suprir quase três vezes a demanda pelo produto no mercado brasileiro. A bebida é a segunda mais consumida no país, perde apenas para a água. 21,5 milhões de sacas são consumidas por ano no Brasil. Nos Estados Unidos, primeiro colocado, são 25,8 milhões de sacas todo ano.
A maior parte da produção (45,9 milhões) é de café Arábica, os 14 milhões restantes são de Robusta. A variedade Robusta é tradicionalmente utilizada na mistura para o café solúvel, como explica a proprietária da Café Nova Era, Gabrielly Borghi. “O café Robusta tem uma maior quantidade de cafeína, então ele é mais forte. Antigamente, o pessoal produzia, mas não se preocupava com a questão da qualidade. Então, quando torrava ficava muito forte”, relata.
O Café Nova Era tem 30 anos e fica em Cacoal, 480 quilômetros de Porto Velho, capital de Rondônia. Nomeada na década de 1980 como a Capital Nacional do Café, o município perdeu o título com a chegada dos anos 2000. Fatores como a entrada de novas culturas e falta de investimentos contribuíram para a derrocada. Mas a história está mudando.
De acordo com o presidente da Câmara Setorial do Café, Ezequias Braz da Silva Neto, conhecido por Tuta Café, o investimento na qualidade tem feito a diferença. “Há dois anos, mandamos umas cargas a uma empresa e ela não quis receber a mercadoria. Por quê? Olha, está dando bebida. Robusta dando bebida é uma surpresa para o mundo”, lembra. A melhora do Robusta também foi sentida pelas indústrias de moagem e torrefação. A Nova Era, depois da qualificação dos grãos, apostou em uma linha especial 100% robusta. “Nós vimos que os produtores estão procurando se instruir mais e produzir com melhor qualidade. Estamos provando que é possível ter um robusta de ótima qualidade, sem blend”, relata Gabrielly.
A mudança no padrão de café vem direto da terra. Os produtores da agricultura familiar estão trabalhando na melhora das sementes. Os cuidados vão do plantio à colheita. Na propriedade Chácara Rio Limão, de Ronaldo Bento, são mais de 20 variedades de café Robusta plantados. Uma das inovações instituídas pelo agricultor é a plantação de capim entre os pés de café. “Fui para o Espirito Santo e lá aprendi essa técnica. Colocar esse tipo de grama no meio do cafezal impede que o sol bata direto na terra, preservando 30% da água no solo”, explica. À medida que o capim vai crescendo, ele é cortado e deixado no local, para preservar o solo úmido, garantindo a hidratação dos pés.
O segredo
O principal diferencial, segundo Bento, está no momento da colheita. “O segredo disso aqui é colher ele maduro. Não deixar ele muitos dias na sacaria. A gente costuma apanhar e trazer no mesmo dia para o terreirão”. Não deixar o café úmido ensacado faz diferença, destaca o produtor. “É um café que você tem que mexer ele sempre. Não deixar ele grosso. Assim resulta em uma bebida ótima”, complementa. O café de Ronaldo Bento já recebeu ofertas de R$ 1.200 reais por saca. Normalmente, o Robusta é vendido a R$330 a saca.
A Chácara Rio Limão tem 14 hectares e 22,5 mil pés de café. Ronaldo Bento já é bicampeão em sustentabilidade no Concurso de Qualidade e Sustentabilidade do Café (Concafé) de Rondônia. A produtividade das lavouras da região tem chamado atenção. Segundo a Conab, o volume de grãos tem aumentado nos últimos seis anos, passando de 10,8 por hectare em 2012 para 30,9 sacas por hectare na safra atual.
O interessante é que o aumento da produtividade permite que menos campo seja destinado para a cultura. A área cultivada de café vem diminuindo gradualmente no país, como explica o Chefe Geral da Embrapa Café, Antonio Guerra. “Antigamente, se plantava com espaçamento largo, apenas três mil plantas por hectare. Hoje, planta-se de cinco a seis mil plantas por hectare. Consequentemente, as plantas produzem menos, mas cada hectare rende mais”, relata. A área total, que engloba os cafezais em formação e em produção, deve alcançar 2,16 milhões de hectares no Brasil, sendo 294,4 mil para o café em formação e 1,86 milhão de hectares para o que está em produção. Em resumo, é como se todo o território do Sergipe ou metade do Rio de Janeiro fosse destinado apenas a lavouras do produto.
Indicação Geográfica
Para incentivar esse movimento que vem acontecendo em Rondônia, a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) está trabalhando para promover a indicação geográfica da região conhecida por “Matas de Rondônia”, com abrangência de 14 municípios, dentre eles Cacoal. “A ideia é mudar a visão do mercado e essencialmente a qualidade do café. Percebemos que em Rondônia, onde a produção se dá em diversos municípios, seria importante determinar dentro de uma região, que é a zona da mata, como se daria nosso trabalho”. A produção atual do Estado é de cerca de 150 mil sacas por ano.
A Indicação Geográfica (IG) é um método utilizado em diversos países do mundo para proteger a propriedade intelectual de produtos ou serviços do uso de terceiros. Como resultado, comunica-se ao mundo que uma certa região se especializou e tem capacidade de produzir um artigo diferenciado e de excelência. As IGs se dividem em Denominação de Origem (DO) e Indicação de Procedência (IP).
Produtos de renome mundial têm esse tipo de reconhecimento. Um dos exemplos notórios é a bebida Champagne. O nome champagne – ou em português champanhe – é uma denominação utilizada unicamente para caracterizar as bebidas feitas em uma província da França, situada a 150 quilômetros de Paris. Por ter métodos específicos de fabricação, todas elas são rigorosamente certificadas com a indicação AOC (Appellation d'origine contrôlée), uma especificação que denomina a origem do produto.
No Brasil, até outubro de 2018 foram concedidas 58 indicações geográficas, segundo o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), responsável pela certificação. A primeira localidade produtora de café a receber uma indicação de procedência foi a região do Cerrado Mineiro, em 2005. Por lá, 100% dos pés de café são da variedade Arábica. Segundo o superintende da Federação dos Cafeicultores do Cerrado, Juliano Tarabal, o primeiro processo de certificação foi longo. “O depósito de indicação de procedência se deu em 1995, quando o INPI não tinha uma área para tratar de indicação geográfica. O segundo depósito, de denominação de origem (DO), foi resolvido em quatro anos”. A DO chegou em 2013.
A indicação geográfica faz parte da estratégia de divulgação do café mineiro, destaca Tarabal. “Não quer dizer que uma região que conquiste a indicação geográfica vá começar a vender café mais caro do dia para a noite. Isso decorre de toda uma estratégia de marketing de qualidade, de desenvolvimento, é um trabalho de longo prazo até o produto receber o reconhecimento, aí o mercado precifica”. Os grãos extraídos da região do Cerrado Mineiro têm um valor de 5% a 10% superior por saca. O arábica estava cotado a R$443 em outubro. Cafés especiais podem ter um valor muito superior. Em 2017, o campeão do concurso Cup Of Excellence – um dos mais prestigiados do mundo – tinha DNA do Cerrado Mineiro. Foram vendidas seis sacas a R$ 55 mil cada.
O Cerrado produz em torno de seis milhões de sacas por ano, o que representa 10% de todo café brasileiro e 25% do produzido em Minas Gerais – maior estado produtor do país. Para garantir a qualidade, existe um sistema que os produtores devem respeitar. O mesmo tipo de método está sendo implantado nos 14 municípios de Rondônia.
Rondônia
Até o fim de novembro serão cadastrados agricultores para participar do projeto. A meta da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial é coletar 500 termos de adesão na região. Os agricultores que optarem pela adesão deverão respeitar o Currículo de Sustentabilidade do Café (CSC). A adoção das práticas terá orientação de técnicos da Emater. A ideia é que, em 2019, cerca de 20 mil sacas sejam produzidas e vendidas para a indústria dentro do programa.
Dentre os pontos exigidos pelo CSC estão: gestão da propriedade, gestão ambiental, manejo de sementes, mudas e estacas, fertilização do solo e uso da água. “Nós esperamos que, em um curto prazo, emerjam desse projeto lideranças dos produtores, que constituam uma associação. E que em um futuro próximo se estruture uma cooperativa, que vai atuar na condução dos produtores, do projeto para o bem da cafeicultura de Rondônia”, destaca Roberto Pedreira da ABDI.
O presidente da Câmara Setorial do Café de Rondônia, Tuta Café, estima um aumento no valor das sacas comercializadas pelos produtores locais. “Nós vamos mostrar, além da qualidade, onde esse café está sendo produzido. Para onde esse café vai. Vai valorizar o produtor de Rondônia. O grão pode valorizar em até 60%”. O diretor executivo da Associação Brasileira da Indústria de Café (ABIC), Nathan Herszkowicz, também acredita em um ganho de preço. “A indicação geográfica seguramente vai fazer com que esse café seja mais procurado. Mais procurado, ele vai valer mais. Essa certificação faz diferença exatamente porque os compradores vêm de fora em busca desse café”. Herszkowicz chancela que grãos produzidos com mais cuidado têm uma valorização natural. “Se ele for um Robusta amazônico bem trabalhado, bem colhido, com aspectos que preservem sua qualidade, poderá valer R$500, R$600”.
Para um incentivo inicial, a indústria do café está destinando prêmios para os agricultores que cultivarem com qualidade. A Associação Brasileira da Industria do Café Solúvel (ABICS) vai destinar R$ 400 mil para coroar os grãos de excelência. “Muitas indústrias, através das duas associações, seja a ABIC ou a ABICS, já nos procuraram no intuito de realizar missões, visitas técnicas, para fechar negócios com produtores. Então o olhar da indústria para o café de Rondônia já passa a ser mais apurado”, destaca Pedreira. A ABDI pretende entregar até o fim de 2019 os documentos requisitando a indicação geográfica para o café da região “Matas de Rondônia”.