Uma bolinha de golfe ao lado do planeta Terra. Esta é a relação feita para mostrar a dimensão com que se trabalha na nanotecnologia. Neste universo de átomos e moléculas, as aplicações na indústria farmacêutica, por exemplo, reduzem os efeitos colaterais dos medicamentos e aumentam sua eficácia. O mesmo ocorre com os cosméticos, a necessidade de insumos diminui e os resultados são melhores. E estes são dois setores que têm se desenvolvido em Goiás.
Uma empresa de cosméticos em Aparecida de Goiânia (GO) começou a aplicar nanotecnologia em sua linha de produção em 2016. De lá para cá, o crescimento no mercado foi de 15% ao ano. Com investimentos em equipamentos, conhecimento técnico e insumos, a Vitalife passou de fabricante de marcas consolidadas, para desenvolvedora de tecnologia e produtos próprios. Hoje ela exporta protetores solares e cremes faciais para Colômbia, Equador, Kuwait e Emirados Árabes Unidos e tem acordos encaminhados no Uruguai, Paraguai e Bolívia.

“A gente vai ao mercado, descobre o que ele precisa e depois fabrica. Estamos falando de um mercado que em 2016 foi de 1,6 bilhão de dólares apenas no Brasil, sendo que o país representa 10% do total no mundo, somente para proteção solar. E com a nanotecnologia conseguimos resolver os problemas de forma segura e eficaz”, aponta Celso da Silva, diretor da empresa.
Com obras para ampliar a produção em 1.300% até o fim de 2019, a empresa vai passar a fabricar quatro toneladas por dia. Um elo de expansão que começou na aplicação da nanotecnologia, aumentou a qualidade dos cremes e as vendas. As inovações permitem ainda a variação de aplicações dos produtos, como explica a responsável pelas pesquisas na Vitalife.
“Hoje temos sete apresentações na linha Bloc Skin e quatro mais populares. São voltadas para os diferentes tipos de pele e perfis de consumidor. Um deles, por exemplo, é para homens e serve também como loção pós-barba. Isso é possível graças à nanotecnologia”, afirma Juliana Moura.

As possibilidades geradas pela nanotecnologia foram vistas como uma oportunidade de inovação por cinco colegas que fundaram o Instituto de Ciências Farmacêuticas (ICF). A empresa desenvolve tecnologias e realiza testes para as indústrias. Leonardo Teixeira é um destes fundadores da empresa que começou em uma sala de 150 m² da Universidade Federal de Goiás, em 2002.
Ele revela que o ICF licenciou dois medicamentos, sendo um hormônio de aplicação nasal e outro remédio para tratamento de hemorroidas, comprado por uma fabricante suíça no valor de R$ 15 milhões. “Alguns medicamentos possuem uma dissolução menor, então a dose tem que ser maior e isso é mais tóxico para o corpo. Com a nanotecnologia consigo ter ações de diferentes formas e administrações diversas, de nasal a tópica”, detalha Teixeira.
No corpo
A aplicação da nanotecnologia nas áreas farmacêutica e de cosmético passa pelo encapsulamento das moléculas. Elas são transportadas diretamente ao ponto de interesse, o que aumenta a concentração das substâncias em um local do corpo. A professora Eliana Martins, da faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Goiás (UFG), que desenvolve pesquisas na área, detalha estes mecanismos de atuação das partículas nano.

“Nestas áreas de farmácia e cosméticos, usamos nanotecnologia pela capacidade de desenvolvermos dispositivos que vão carregar a molécula do nosso interesse até o alvo do tratamento. Isso gera benefícios e diminui os efeitos colaterais, porque há redução nas doses no organismo e porque a molécula chega direto no alvo terapêutico e não se espalha pelo corpo”, destaca Martins.
As nano cápsulas que carregam as moléculas também tem uma ação mais prolongada, pois vão sendo degradadas aos poucos pelo organismo. Leonardo Teixeira acredita que a inovação, que hoje representa 40% do faturamento do ICF, será o principal foco da empresa no futuro. Este viés passa pela individualização dos tratamentos.
“Algumas pessoas metabolizam mais rápido as substâncias, então uma certa dose do medicamento não faz efeito, enquanto que em outra pessoa, essa mesma dose é alta e dá efeitos colaterais. Então a partir de mapeamentos genéticos vamos poder desenvolver o melhor medicamento específico para cada indivíduo”, projeta Teixeira.
O ICF fez o mapa genético de 200 pessoas. As pesquisas mostraram mutações na produção de enzimas no fígado dos pacientes que variam muito entre os indivíduos, o que requer diferentes tratamentos.

Produção e difusão
Um levantamento feito pela professora Eliana Martins mostra que o Brasil é o 17º país em publicação de artigos científicos em nanotecnologia no mundo, com 23.380 resultados em setembro de 2018. A mesma busca em 2010, apontava apenas 6.726 trabalhos. No entanto, quando o assunto é registro de patentes, o país nem aparece no ranking.
“Do ponto de vista da produção de conhecimento, da competitividade dos nossos grupos de pesquisa de ponta, não estamos em uma situação ruim comparada ao resto do mundo, principalmente tendo em vista que o investimento feito aqui é pífio. O problema é transformarmos isso em produtos e em recursos financeiros. E para isso falta uma associação maior da empresa com a Academia”, explica Martins.
A pesquisadora, que coordena o Farmatec, laboratório que trabalha com nanotecnologia no Parque Tecnológico da UFG, mostrou que o Brasil investe apenas 0,1% do que os Estados Unidos investem no tema, que é cerca de R$ 1,5 bilhão de dólares. A perspectiva, no entanto, é que recursos sejam direcionados para o setor a partir de algumas medidas pontuais e do Plano de Ação que será lançado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) no dia 02 de outubro.
“O decreto que instituiu a política automobilística para os próximos anos, o Rota 2030, vai gerar recursos para a nanotecnologia, porque a indústria usa este tipo de tecnologia em todo seu processo. Se 10% do R$ 1,5 bilhão que está previsto de isenção fiscal for aplicado em nano, teremos um orçamento recorde para o setor”, projeta Leandro Berti, coordenador de Desenvolvimento e Inovação do MCTIC.
Na empresa de cosméticos Vitalife, algumas dificuldades para trabalhar com nanotecnologia vão desde fornecedores de matéria prima até o desenvolvimento de processos produtivos. O mesmo panorama relatado por Leonardo Teixeira, que dá o exemplo de um padrão que o CIF tem que importar e que custa R$ 150 mil cada mililitro. “A gente já poderia ter fábricas de equipamentos, reagentes, padrões, porque até solventes temos que importar. São muitas oportunidades de desenvolvimento de cadeias econômicas. Somente com manutenção de equipamentos gastamos R$ 1 milhão por mês”, disse.
O conhecimento em nanotecnologia tem se desenvolvido no país, mas a transformação das pesquisas em produtos industriais e o desenvolvimento da cadeia de produção nacional são alguns gargalos que ainda devem ser superados.