Muito se discute sobre a necessidade de acelerar a adoção de tecnologias no setor industrial, especialmente no contexto da Indústria 4.0. Pensando nisso, a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) desenvolveu o MetaIndústria, um projeto inovador que visa impulsionar a transformação digital e aumentar a competitividade da indústria nacional. Combinando infraestrutura física e digital, o MetaIndústria oferece um ambiente onde empresas de diferentes portes podem testar e validar soluções tecnológicas com baixo custo e alta precisão, simulando resultados reais em suas operações.
Em entrevista para o “Explica Aí, ABDI”, o analista inovação e produtividade da ABDI Valdênio Araújo destaca que a iniciativa é um ponto de encontro para grandes players tecnológicos e pequenas startups, promovendo um ecossistema colaborativo. Segundo ele, a iniciativa permite que as empresas, desde grandes corporações até pequenas e médias empresas, se capacitem nas mais recentes tecnologias, como conectividade 5G e inteligência artificial, melhorando sua eficiência produtiva, reduzindo custos e riscos, e acelerando o tempo de entrada de novos produtos no mercado.
Realizado pela ABDI, em parceria com a SPI Integração de Sistemas (SPI), o MetaIndústria ajuda o empreendedor brasileiro a incluir novas tecnologias no processo produtivo. E isso é feito por meio de trilhas de capacitação realizadas nos laboratórios de tecnologia do programa – localizados em São Leopoldo (RS) e em São Caetano do Sul (SP). Lançado em 2023, o programa atende pequenos, médios e grandes negócios industriais.
O que é o MetaIndústria e quais os principais objetivos dessa iniciativa?
Valdenio Araujo: O MetaIndústria é um projeto voltado para acelerar a adoção de tecnologias na indústria nacional. Ele opera em uma plataforma que combina duas partes: uma física e outra digital. A parte física é composta por dois laboratórios, onde diversos parceiros tecnológicos se organizam para fornecer soluções completas. Já a parte digital utiliza modelos virtuais das indústrias, nos quais é possível inserir dados reais e alcançar uma precisão de até 95% na simulação das respostas de uma planta real. Isso permite testar a inserção de novas tecnologias de forma rápida e econômica, utilizando o Metaverso Industrial, o que gera grande economia de tempo.
Os resultados comprovados incluem um aumento de 33% a 53% na produtividade dos colaboradores e uma redução de até 80% no Lead Time o tempo necessário para lançar um produto no mercado. Além disso, ao conectar toda a cadeia produtiva e identificar os problemas com precisão, o projeto permite uma economia significativa de tempo e dinheiro, promovendo ainda uma operação mais sustentável ao eliminar ineficiências.
A Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) identificou essas necessidades e buscou parcerias estratégicas, como a SPI Integradora, uma das principais especialistas em tecnologias da Indústria 4.0 no Brasil. Diferente de projetos anteriores, que ofereciam soluções isoladas, como robótica, a MetaIndústria adota uma abordagem integrada. Ela engloba não apenas robótica, mas também conectividade, cibersegurança, treinamento e adaptação de modelos de negócios para uma produção mais rápida e eficiente.
O projeto é separatório na forma de organizar os parceiros e o ecossistema de inovação, oferecendo uma solução completa para a transformação digital da indústria. Ele visa fortalecer a relação entre fornecedores, a cadeia produtiva e o consumidor final, promovendo uma interação mais intensa e colaborativa, baseada não apenas na tecnologia, mas também em um novo nível de relacionamento e eficiência operacional.

Qual o público do projeto?
O público do projeto é composto por empresas estabelecidas em território nacional. Atualmente, atendemos pequenas, médias e grandes empresas. No caso das startups, buscamos integrá-las à indústria como fornecedoras associadas, oferecendo serviços de tecnologia com valor agregado.
Como o programa pode ajudar a melhorar a competitividade e a eficiência de pequenas e médias empresas?
As pequenas e médias empresas necessitam de um cuidado especial. É essencial realizar uma avaliação detalhada de como essas empresas estão atuando, analisando seu modelo de negócio para identificar onde estão as ineficiências e, assim, agir de maneira muito específica e pontual. Essas empresas têm uma estrutura mais frágil do ponto de vista econômico, com recursos limitados, tanto financeiros quanto humanos. Por isso, inserimos micro, pequenas e médias empresas no MetaIndústria, caso haja interesse, buscando capacitar em metodologias de gerenciamento de projetos e inovação.
Após essa introdução, levamos a empresa para uma imersão nos laboratórios do MetaIndústria, onde ela tem acesso a mais de 30 dos principais fornecedores de tecnologia no Brasil. Durante essa imersão, que dura cerca de oito horas, a empresa sai com um roadmap, um plano de inovação pronto, desenvolvido com base em metodologias de gerenciamento dessa transformação.
Ao final desse processo, a empresa recebe uma solução tecnológica para um problema relevante. Com o apoio das empresas parceiras do MetaIndústria, ela pode contratar uma prova de conceito, envolvendo de dois a cinco fornecedores, com um custo de transação muito baixo. Após a prova de conceito, a empresa pode decidir estrategicamente como e quando investir em tecnologia, com informações claras para tomar essa decisão de maneira fundamentada, sem precisar terceirizar esse processo.
Quais tecnologias e modelos de negócios da Indústria 4.0 serão mais acessíveis através do MetaIndústria?
O MetaIndústria, na sua vertente tecnológica, é organizado em torno de seis experiências funcionais, cada uma voltada para aspectos específicos da indústria. Temos uma experiência focada em logística, outra em cibersegurança, uma para conectividade 5G e redes privativas, além de uma dedicada à qualidade do ambiente de trabalho e segurança dos trabalhadores. Essas áreas são fundamentais para atender às necessidades das empresas durante o processo de transformação digital.
Além disso, há uma tecnologia transversal que permeia quase todas as experiências oferecidas nas imersões: a conectividade e a inteligência artificial (IA). Hoje, é possível capturar dados das plantas industriais, independentemente do porte, por meio de sensores ou câmeras. No entanto, para processar essa quantidade massiva de dados e gerar insights significativos, a inteligência artificial se tornou uma ferramenta essencial.
Recentemente, o MetaIndústria passou por uma evolução, pois identificamos que a principal demanda das empresas tem sido justamente sobre como aplicar a IA em seus processos. Grande parte das organizações que participam do programa busca aprender a usar essa tecnologia de forma eficaz, o que tem colocado a inteligência artificial no centro das discussões e das soluções oferecidas.
Quais cases você destacaria como os mais relevantes do programa?
Nós começamos o projeto MetaIndústria com empresas de grande porte, com o objetivo de testar e validar todo o fluxo. Uma das primeiras empresas participantes foi a Fiocruz Biomanguinhos, que desempenhou um papel crucial durante a pandemia, produzindo mais de 200 milhões de vacinas. Considerando um custo de produção de 1 dólar por vacina, isso representaria um investimento de 200 milhões de dólares, com um potencial retorno de até 400 milhões de dólares, se comercializadas a 2 dólares cada. É uma operação de extrema importância estratégica.
A Fiocruz foi a primeira empresa a passar pela imersão no MetaIndústria, levando nove gerentes de áreas técnicas, como segurança do trabalho, segurança de rede, produção e logística. Ao final da imersão, durante a criação do roadmap, eles identificaram um problema: na produção do insumo farmacêutico ativo (IFA) das vacinas de vírus atenuado, havia perdas significativas devido a falhas no controle de variáveis como temperatura e agitação, que resultavam na perda de lotes.
Como resposta, implementamos uma rede 5G privativa, fornecida pela Nokia, em conjunto com automação desenvolvida pela Hopla e outros parceiros. Essa rede permitiu o monitoramento remoto de variáveis críticas dentro de um ambiente isolado e revestido de inox, onde o sinal Wi-Fi não funcionava adequadamente. Com isso, foi possível monitorar temperatura, velocidade e pH, e a estimativa é que essa solução possa evitar o desperdício de cerca de dois milhões de doses de vacinas.
Outro exemplo foi com uma empresa do setor de construção civil que utiliza andaimes em larga escala, com até 400 quilômetros de andaimes montados. A necessidade deles era gerenciar os SKUs e itens de estoque. Após a imersão no MetaIndústria, foi proposto o uso de inteligência artificial para gerir esses dados, o que trouxe uma economia significativa no gerenciamento de materiais.
No setor automotivo, uma das empresas participantes produz alternadores, componentes fundamentais para veículos elétricos. O processo de enrolamento de fios de cobre dentro desses alternadores, feito por máquinas, tinha uma margem de erro que gerava grandes perdas. A solução desenvolvida envolveu o uso de inteligência artificial e computação visual para monitorar o processo e identificar falhas em tempo real, permitindo ajustes imediatos e reduzindo perdas de produção.
Todas essas provas de conceito (POCs) são catalogadas e registradas, criando um banco de dados que pode ser consultado por outras empresas interessadas em soluções semelhantes, sempre respeitando a confidencialidade das informações sensíveis. Esses resultados estão disponíveis no site da ABDI para consulta.