Locação de robôs industriais se firma como modelo de negócio

Locação de robôs industriais se firma como modelo de negócio

Em entrevista ao Portal da ABDI, José Rizzo, fundador e CEO da Pollux, está à frente de alternativa criada para disseminar uso da robótica

A automação industrial e a inovação por meio da tecnologia estão no DNA de José Rizzo Hahn Filho. Fundador e CEO da Pollux, empresa especializada em fornecer tecnologias e levar a robotização de processos a indústrias de vários portes e segmentos, o carioca hoje baseado em Santa Catarina atua há 22 anos no setor. Formado em engenharia mecânica pela Iowa State University, é presidente da Associação Brasileira de Internet Industrial (ABII) e está à frente de uma mudança significativa no modelo de negócio dos robôs industriais. Uma mudança que tem influências de conceito de empresas que criaram um efeito disruptivo em seus setores, como Airbnb e Uber. A grosso modo, entende os robôs como serviço. Ou, num português mais claro, ele aluga robôs para serviços específicos.

“O modelo de negócio pega carona nessas ideias, sim. Principalmente na vertente de pagar só pela utilização, pelo serviço efetivamente prestado. No nosso caso específico, também há uma aposta no compartilhamento de recursos. Implementar robôs de forma adequada numa linha de produção exige uma equipe especializada, com engenheiros, programadores e profissionais capacitados para manutenção. Em vez de cada empresa compor esse time, montamos esse time e compartilhamos a expertise com nossos clientes. Eles pagam um valor mensal e têm acesso irrestrito e ilimitado a esse time para o que for necessário”, disse.

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Como você vê o momento do mercado de robôs industriais no Brasil, principalmente diante da perspectiva mundial de quase dobrar até 2020 a quantidade de robôs em atividade em relação ao que temos hoje?

Para nós, sempre foi claro o benefício de usar robôs na produção. Nossa análise era de que a gente vinha de um legado histórico em que essa tecnologia era cara no Brasil, muito por questões de impostos e de custo, porque havia aqui uma mão de obra relativamente barata. Mas aos poucos os robôs ficaram mais econômicos e o custo da mão de obra foi aumentando. A gente imaginava que, quando as duas curvas cruzassem, teríamos um salto no uso de robôs. Três anos atrás o cruzamento ocorreu e não vimos esse aumento. Fizemos pesquisas para ver o porquê. E descobrimos que não há causa única. É uma combinação de fatores.

Uma das causas mais relevantes é a instabilidade do país ao longo do tempo. Mesmo com retomada econômica, demora um pouco até o cenário de futuro se mostrar estável. E isso inibe investimentos. Outro aspecto relevante é que boa parte das indústrias no Brasil são multinacionais. As sucursais, na maior parte, não têm poder de decisão local. Precisam de aprovação da matriz. E aí a visão de fora de nossa economia atrapalha, dificulta decisões de aprovação de orçamento. Há outros pontos também, como falta de suporte e manutenção. O que fizemos diante disso? Tentamos criar um modelo que combatesse cada um desses itens para tornar o robô industrial viável no Brasil. E foi assim que surgiu o robô como serviço.

O que define o robô como serviço? É a locação, o aluguel? Há comparação possível desse modelo, em termos de originalidade, com o que Uber e Airbnb fizeram com o mercado do turismo?

Ele pega carona nessas ideias, sim. Principalmente no conceito de pagar só pela utilização, pelo serviço que você precisa naquele instante. Outra vertente importante, no nosso modelo, é o compartilhamento de recursos. Nossa oferta para as empresas trabalha com o conceito de eliminar a necessidade de aprovação do investimento pelas matrizes das multinacionais. As unidades daqui têm autonomia para despesas do dia a dia. Nesse modelo de serviço o robô vira um item operacional. Trazemos o poder de decisão para o gestor daqui. Outra vertente é a do desempenho adequado e seguro para as pessoas que vão conviver com os robôs. Para isso, precisamos de equipe especializada: engenheiros, programadores, profissionais de manutenção. São pessoas raras no Brasil e tendem a ser caras. Assim, em vez de cada empresa compor esse time, montamos o time e compartilhamos a expertise com os clientes. Eles têm acesso irrestrito e ilimitado pagando um valor mensal.

Em linhas gerais, quais os ganhos da robotização de setores das linhas de montagem?

Durante o processo de implantação, costumamos conversar com o cliente em três frentes. A primeira é a mais comum. Em geral temos um contingente grande de pessoas em postos de trabalho insalubres, empregos com grande chance de lesão por esforço repetitivo e com possibilidade frequente de afastamento do funcionário. É um tipo raro de emprego fora do Brasil, mas ainda comum aqui. Postos na frente de prensas, em tornos, com movimentos repetitivos. A produtividade é o segundo ponto. Um robô trabalha até 24 horas e sete dias da semana, o que é impossível para seres humanos, até porque a gente não é máquina. O terceiro fator importante é a flexibilidade. Os robôs atuais são reprogramáveis, customizáveis. Podem ser usados para diferentes tarefas em várias linhas de montagem.

Mas tirar pessoas de postos de trabalho, mesmo insalubres, não significa ampliar o desemprego?

Essa é uma discussão inevitável quando falamos de robótica industrial. Quando a pergunta vem, costumo dizer que existe, sim, correlação entre uso de robô e desemprego. Mas é uma relação inversamente proporcional: os países que mais adotam robôs têm os menores índices de desemprego. E não é porque a robótica crie postos de trabalho. O que ocorre é que uma empresa robotizada é mais competitiva. Tem mais condições de crescer e de sobreviver. De gerar novos negócios. Mesmo que tenha um contingente reduzido de pessoas, pode abrir novas plantas. O nível de uso de robôs em países como Japão, Coreia e Alemanha é elevadíssimo, e as taxas de desemprego são baixas. Em contrapartida, empresas sem uso de robótica, com perda de eficiência, empregos insalubres, afastamentos constantes e lesões frequentes nos trabalhadores, são naturalmente menos competitivas.

Quais os principais setores da economia com potencial de serem impactados pela presença de robôs industriais?

Ainda continuamos com uma predominância do setor automotivo, porque é uma área que historicamente já investe nisso. A soldagem de carrocerias, por exemplo, há tempos não é um processo com pessoas. Mas há uma possibilidade clara de expansão da robótica em vários segmentos, como bens de consumo (alimentos, farmacêutica, embalagem, paletização). A redução do tamanho dos robôs e de custos com a locação permite que empresas de médio porte, de 300 a 400 funcionários, passem a robotizar as linhas. E também há boas chances de um crescimento geográfico. Hoje há concentração no estado de São Paulo, mas já começamos a ver um movimento de se espalhar para outras regiões.

Quais os mecanismos pensados para que os robôs industriais convivam sem acidentes com os profissionais na linha de produção?

Os robôs industriais mais recentes são todos munidos de sensores. É como se enxergassem, sentissem o ambiente, mesmo que não seja um ambiente 100% preparado para ele. São robôs capazes de pegar objetos com posição não muito bem definida. Capazes de exercer força dentro de um limite que dermos a ele. Conseguem atuar inclusive em ambientes imprevisíveis como os AMR (Autonomous Mobile Robots). São robôs que se deslocam de um ponto A para um ponto B da fábrica por navegação inteligente, como se fosse um carro com GPS. Eles estão se liberando de amarras e conseguindo operar em ambientes diferentes com garantias reais de segurança. Os colaborativos são projetados para trabalhar junto com pessoas, ocupam menos espaço, são fáceis de serem implantados. E, claro, exigem e demandam regulamentações e normas específicas de segurança.

Você está à frente da Associação Brasileira de Internet Industrial (ABII). Quais os principais desafios da entidade e as principais frentes de trabalho?

Hoje estamos com cerca de 50 associados e uma perspectiva de acelerar bastante no segundo semestre, até porque num primeiro momento trabalhamos mais no boca a boca. Os desafios maiores são dois. Um deles é que esse movimento da internet industrial, da indústria 4.0, ocorre num momento em que o Brasil ainda está fragilizado na economia. E há uma consequência direta disso na capacidade de investimento das empresas. Muitas estão mais preocupadas em sobreviver. Então, o desafio é fomentar, articular e trabalhar essa necessária mudança de perspectiva num cenário complexo.

O fato é que a gente vê uma velocidade impressionante com que a internet das coisas está mudando conceitos do varejo. O quanto é diferente a experiência do usuário numa loja como a Amazon Go (sistema que permite ao cliente entrar, fazer compras e ir embora sem passar por caixas ou filas, apenas usando um aplicativo que detecta e debita o que foi colocado no carrinho). Há centros de distribuição com até 500 robôs. No Brasil ainda não temos nada parecido.

O segundo desafio que a gente vem conseguindo avançar com relativo sucesso é convencer os líderes a iniciar esse processo. A perceber que a pauta é estratégica, que não é mais opcional a transformação digital e a indústria 4.0. Esse é o trabalho que estamos fazendo agora. Atrair empresas que tenham intenção de iniciar algo nesse sentido. As empresas que entram na ABII passam a ter um conteúdo de informações rico sobre o tema. Entram numa rede com cerca de 200 profissionais experts no tema.