Mais de 71 mil compras digitais foram realizadas por hora no Brasil em 2017, segundo dados da pesquisa Score Digital — Visa. O número representa um aumento de 22% em relação a 2016. A pesquisa também revelou que quatro em cada dez brasileiros são consumidores digitais. “É uma mudança no consumo que impacta diretamente nos lojistas, que necessitam se adaptar”, aponta o coordenador de Comércio e Serviços da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), Eduardo Tosta.
O estudo dividiu os consumidores em três categorias: Low digital, que realizam compras esporádicas; Medium Digital, que já incorporam a consumo digital, mas em quantidade inferior às transações em lojas físicas; e Heavy Digital, que compram basicamente pela internet. Os compradores Low Digital representam 43% do total, porcentagem menor que a de 2016, quando ficou em 51%. A fatia Medium Digital também representa 43% do montante, número maior em relação ao ano anterior (39%). O Heavy Digital passou de 10% em 2016 para 14% em 2017.
A desenvolvedora de soluções inovadoras para o varejo Cibelle Plaça explica que o principal é entender os mais diversos tipos de consumidor. “Tem o comprador com o perfil de visitar no e-commerce e depois checar o produto na loja física. Depois, volta para o e-commerce e compra. Isso depende do momento que ele está passando e da missão da compra”. Ela destaca que a inovação também ajuda o lojista a identificar qual tipo de cliente está entrando na loja. “É importante que o atendente saiba quem é aquela pessoa. Com algumas informações básicas, disponibilizadas por um software, é possível fazer uma venda mais personalizada, que normalmente é o que o consumidor busca quando vai a uma loja física”.
O superintendente da Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas (CNDL), Marco Antonio Corradi, aponta que os lojistas têm que ficar atentos. “Uma pesquisa feita em 27 capitais mostra que 89% dos entrevistados tinham feito pelo menos uma compra online no ano. A mudança está ocorrendo de forma gradual, mais lenta que em outros países. O que nos dá tempo para adaptar o mercado de vendas”. A CNDL estima que existam cerca de 13 milhões de empresas de pequeno e médio porte no Brasil, que lidam com o varejo. “As microempresas têm uma dificuldade maior de dirigir investimentos para a inovação”, apontou Corradi.
Esse aumento do uso de internet pelos compradores tem causado impactos no varejo. Rita Colaço, proprietária de um salão de beleza em São Paulo, indica que o movimento caiu cerca de 30%. “Com a internet, as clientes aprendem a fazer vários procedimentos que elas buscavam no salão. As blogueiras são a principal fonte de informação”. A gerente de uma loja de objetos de decoração, Cintia de Jesus, também observa queda no número de clientes. “As compras na web impactaram na circulação da loja. Mas nós apostamos em bom atendimento e simpatia”.
Desafios
Para fugir da diminuição de vendas nas lojas físicas, empresas americanas de vestuário têm investido em soluções inovadoras como provadores inteligentes. Quando o cliente leva uma roupa para o provador, o espelho já oferece novas possibilidades de combinação e mostra disponibilidade de outros tamanhos da peça escolhida. “Essa é uma forma de atrair o cliente, o varejo brasileiro precisa caminhar nesta direção”, destaca Eduardo Tosta.
Outro exemplo de inovação é um programa de computador que faz o mapeamento da circulação dos consumidores dentro do estabelecimento e consegue ler o humor das pessoas. Pela leitura facial, é possível saber onde o consumidor está mais feliz dentro da loja. Com esse tipo de informação, o lojista sabe quais setores têm maior circulação e qual é a sensação das pessoas em cada ambiente. Assim, é possível pensar de forma estratégica a disposição dos produtos e promoções, por exemplo.
Para auxiliar nessa revolução mercadológica e trazer as tecnologias para o Brasil, a ABDI lançou o ProVA, Laboratório de Inovação do Varejo. Um levantamento feito pela Agência com mais de 50 varejistas e formadores de opinião identificou os principais desafios do setor para inovar em lojas físicas. Qualificação da mão de obra, capacitação dos empresários, resistências culturais para a adoção de tecnologias, acesso a crédito e questões envolvendo a tributação foram os cinco pontos levantados pela pesquisa.
O ProVA está localizado no shopping Frei Caneca, em São Paulo, onde ocorrerão eventos e atendimentos personalizados. “A ideia é que o varejista possa chegar com seu problema particular e conhecer exemplos de inovação que tenham auxiliado outros empreendimentos. Isso pode ser feito por um atendimento personalizado ou durante os mais de 100 workshops que estão programados”, explica o presidente da ABDI, Guto Ferreira. “Seja varejista de pequeno, médio ou grande porte, ele vai achar alguma solução aqui para desenvolver inovação no varejo”. Na prática, pode ser feita uma sensibilização, uma demonstração de tecnologias ou uma mentoria.
Para o ministro da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, Marcos Jorge, iniciativas como essa vão tornar o país mais competitivo. “Com o mundo globalizado, nós estamos competindo com inúmeros países. Temos que promover inovação para estarmos na disputa, e o ProVA vai inovar para um setor fundamental para a economia brasileira”. O setor de serviços (que engloba o comércio) é estratégico para a economia, representando 73,2% do PIB nacional — o que equivale a R$ 4,137 trilhões. O comércio tem relevância na oferta de empregos, com 19,4% dos postos de trabalho no país, num total de 17,7 milhões de trabalhadores.
Apocalipse
Nos Estados Unidos está ocorrendo um fenômeno taxado “Retail Apocalypse” — apocalipse do varejo em português literal. Segundo o site especializado Quartz, os grandes shoppings, que começaram a surgir no país em 1960, estão desaparecendo. O principal motivo é a debandada das grandes lojas-âncora. Dick Johnson, CEO da Foot Locker, renomada empresa calçadista norte-americana, disse, durante um dos maiores eventos de distribuidores e varejistas de calçados da América (FDRA) que os fechamentos não são o mais importante. Na última década, a Foot Locker fechou cerca de mil lojas. “Teremos menos estabelecimentos, mas com experiências melhores para os compradores”, argumentou Johnson. “Os locais abertos são realmente especiais para o cliente vir e se engajar”. Mesmo com menos locais físicos — 3310 –, o volume de vendas da marca aumentou muito, segundo o CEO, devido à qualidade dos serviços oferecidos. A concorrente Nike seguiu a mesma linha ao colocar, por exemplo, quadras de basquete dentro de algumas lojas.
Segundo reportagem do Quartz, nos EUA o fechamento de lojas em 2017 chegou a oito mil, o que supera os tempos de crise vividos em 2008, quando 6 mil estabelecimentos encerraram suas atividades. Ainda restam no país cerca de mil shoppings. No Brasil, a queda na economia, segundo a Confederação Nacional do Comércio (CNC), levou ao fechamento de 108 mil estabelecimentos em 2016. A hora é de investir em inovação para ganhar o coração e o bolso dos consumidores.