O agro é tech

Startups estão ajudando um dos maiores setores da economia brasileira a aumentar a produtividade

O Brasil tem uma vocação agrária evidente. A extensão territorial — quinto maior país do planeta — e o clima são alguns dos fatores que facilitam a vida daqueles que investem na produção. Os dados do Produto Interno Bruto (PIB), divulgados pelo IBGE, chancelam a tendência. Em 2017, o crescimento foi de 1%, puxado pelo agronegócio que teve um aumento de 13% em relação a 2016. O ano passado também apresentou outro número importante no campo. A safra de grãos foi recorde: 242,1 milhões de toneladas.

Mas esses resultados têm condições de ser ainda melhores. A introdução da tecnologia no campo pode aumentar muito o rendimento dos produtores e, por consequência, do país. “A inovação traz mais produtividade e reduz o custo do produtor. Reduzindo o custo ele tem mais lucros e aumentando a produção ele pode vender mais, o que no fim das contas se transforma em riquezas para o país”, explica o presidente da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), Guto Ferreira.

Dados da cadeia leiteira, por exemplo, apontam que a implementação do monitoramento dos animais em conjunto com manejo pode render 70% a mais de leite em cada vaca. As possibilidades envolvendo inovação no campo passam pelos mais diversos setores como gado leiteiro, irrigação, maquinário até o tratamento de dados.

O que a vaca diz?

O rebanho brasileiro é composto por 220 milhões de cabeças de gado. A grande maioria é destinada ao corte — 200 milhões. As 20 milhões restantes são para leite. Um grupo de jovens formados em agronomia, na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no Rio Grande do Sul, desenvolveu uma solução tecnológica que promete traduzir o que as vacas dizem. “Até hoje nós não conseguíamos saber quando o animal precisava ir ao médico, quando tinha que comer ou mesmo se ele gostou da ração. Pelos movimentos diários dele, nós temos estas respostas”, explica Leonardo Martins da CowMed.

A startup desenvolveu uma coleira que possui um sensor do tamanho de um sabonete. O equipamento mede minuto a minuto tudo o que a vaca faz. “Os dados são enviados para um software que traduz a ‘língua’ da vaca, explica Martins. O programa de computador leva em conta três fatores: movimento do animal, ruminação e tempo de ócio. “Os resultados são enviados de hora em hora para o produtor”.

Com esses dados, o produtor consegue manejar de forma mais adequada o animal. “Com a análise do ruminar do animal, eu consigo saber com antecedência se o animal está ficando doente”, relata Martins. Antes, o mesmo tipo de diagnóstico dependia do olhar do criador. Em um projeto piloto, de um ano, uma fazenda aumentou a produção de 1500 litros para 2700.

Os dados também ajudam o profissional que desenvolve a ração das vacas. Com as informações precisas, ele consegue desenvolver um produto que reflita diretamente na produção de leite do animal. Atualmente, o produto está instalado em 8 mil cabeças de gado.

Ciclo da reprodução

As tecnologias não passam necessariamente pela implantação de um sensor ou chip nos animais. A Embrapa, por exemplo, inovou com o desenvolvimento de um aplicativo que ajuda o produtor a catalogar as vacas. “Antes, isso costumava ficar na parede dos criadouros, e cada vaca tinha sua ficha”, explica o especialista em transferência de tecnologia da Embrapa, André Fachini.

O aplicativo chamado “Roda da Reprodução” é relativamente simples. Um calendário de forma circular divide o ciclo reprodutivo das vacas leiteiras em quatro. Um primeiro ciclo de 83 é o período que o animal deve cruzar. “Nos próximos 60 dias o produtor precisa verificar se a vaca ficou prenha”, explica Fachini. Na última das quatro divisões o animal deve ser secado —retirado todo o leite. “Isso preserva a vaca antes do parto e garante maior produção mais tarde, além de fazer bem para o bezerro que vai nascer”.

Cada animal é registrado com um número e o aplicativo aponta os passos que o produtor deve fazer. Fachini explica que a tecnologia ajuda o produtor a ter previsibilidade. “Se ele sabe que em três meses a maioria das vacas estará no período de secagem, ele precisa organizar seus recursos porque a produção vai cair”. O aplicativo pode ser baixado gratuitamente.

Irrigação por controle remoto

O Brasil é um dos 10 países do mundo com maior área irrigada. Atualmente, segundo o atlas da irrigação desenvolvido pela Agência Nacional de Águas (ANA), 6,95 milhões de hectares estão equipados com algum sistema de irrigação. O potencial de crescimento é grande. O Atlas estima que até 2030 haja um incremento de 45%, chegando a 10 milhões de hectares irrigados.

Os principais tipos de irrigação utilizados são superficial, subterrâneo, aspersão e localizado. Cada um deles é uma composição de diferentes técnicas. O método de inundação para o plantio de arroz corresponde a 22% do total e os pivôs centrais por 19,9% das áreas irrigadas.

No método de pivôs centrais, a plantação é feita em círculo. No centro, é fixada uma estrutura que se alonga até a borda da plantação. Na parte superior, são instaladas espécies de grandes chuveiros, que garantem água para a cultura. A técnica é muito utilizada nas lavouras de algodão, feijão, milho e soja. Falando em regiões do Brasil, os locais com maior prevalência são sul de São Paulo, noroeste do Rio Grande do Sul, região central de Minas Gerais e oeste da Bahia.

Apesar de muito disseminada, a técnica dos pivôs centrais tem alguns problemas recorrentes que não são resolvidos pela tecnologia. O desnivelamento do terreno, normalmente, é um problema porque as plantas recebem quantidades de água diferentes, além de facilitar a quebra do equipamento. As grandes distâncias percorridas nas fazendas para o bom monitoramento das máquinas também é um desafio.

Uma tecnologia desenvolvida pela startup Irricontrol pretende terminar com o vai e vem nas lavouras e o desperdício de água. A instalação de um equipamento do tamanho de uma caixa de cereal permite o controle remoto das estruturas que chegam a 1,3 km de extensão. “O produtor tem muitos gastos com deslocamento para monitorar, ligar e desligar os equipamentos”, explica diretor de operações da startup, Helton Franco. A solução também ajuda a controlar a bomba de água, garantindo que as plantas sejam irrigadas de maneira uniforme. “Muitas vezes, pelo desnivelamento do terreno, a bomba de água é pressionada gastando muita energia”, explica Franco. A economia de energia pode chegar a 40%.

O dado é o novo petróleo

À medida que as tecnologias forem implantadas, elas vão gerando dados — informações que precisam ser armazenadas e compreendidas. Muitas empresas já estão trabalhando com a leitura desses dados. Para o presidente da ABDI, Guto Ferreira, o grande desafio é fazê-los reverter em lucro. “A questão não é mais acumular dados, isso já virou uma commodity. A questão é como analisar essas informações com inteligência para as próximas safras”.

Algumas tecnologias já conseguem resultados efetivos, como o aumento de 70% na produção de leite ou a diminuição em 40% de gastos de energia com irrigação. Segundo o site da AgTech — hub de startups do setor no Brasil — são 175 empresas de base tecnológica atuando exclusivamente com soluções para o campo.

“A aposta na tecnologia é um caminho sem volta e realmente dá resultado. Dados do Ministério da Agricultura apontam que o Brasil chegou a números ótimos na safra de grãos, devido à inovação”, defende Ferreira. O estudo Projeções do Agronegócio de 2017 relata que, nos últimos 30 anos, a taxa média anual de aumento da produtividade foi de 3,5% no Brasil, sendo a tecnologia a responsável direta por 60% dessa melhora nos resultados do campo.