A agricultura tem sido o carro-chefe da retomada do crescimento econômico brasileiro. Segundo dados do IBGE, o setor cresceu 13% em 2017 em relação ao ano anterior. O PIB total do país registrou um aumento de 1%. Caso o rendimento do campo fosse excluído, o crescimento seria de apenas 0,3%. O presidente da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), Guto Ferreira, aponta que o índice poderia ser ainda mais expressivo. “A implementação de tecnologia para o campo tem apresentado ótimos resultados. A simples introdução de GPS em máquinas colheitadeiras, por exemplo, consegue otimizar o deslocamento dos tratores, economizando combustível. À medida que o conceito de Internet das Coisas avançar para o meio rural, a produtividade deve aumentar consideravelmente”, explica. Internet das Coisas (do inglês Internet of Things, IoT) é a introdução da rede nos objetos do dia a dia. Com isso, “as coisas” ficam conectadas e são capazes de gerar e transmitir dados.
Os tratores altamente tecnológicos já são uma realidade. O gerente de Implementação de Soluções Integradas da John Deere, Rois Pillon Nogueira, destaca que modelos da marca já podem melhorar o desempenho das lavouras por meio de inteligência artificial. “A máquina me informa o que ela fez e de que forma ela fez. Quando eu junto a informação com um diagnóstico, o desempenho no campo começa a melhorar. Ela pode fazer caminhos menores na plantação economizando combustível, por exemplo. Quando eu incluo a inteligência artificial, a própria máquina começa a operar, diante de algumas situações, otimizando os gastos”, relata.
Para tudo funcionar perfeitamente, as informações têm que trafegar. O presidente da ABDI reforça a necessidade de investimento para a expansão da rede. “Temos grandes gargalos de internet no Brasil. Para o trator gerar uma informação que vai de fato trazer benefícios aos agricultores, ele precisa ter acesso à rede”. A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) informa que atualmente a legislação exige cobertura de internet para um raio de até 30 quilômetros dos limites da sede municipal mais próxima, o que deixa as áreas rurais com problemas de atendimento — sendo obrigatória apenas a telefonia fixa. De acordo com documento divulgado pela Agência, todas as localidades do país que possuem mais de 100 habitantes deverão ser atendidas por meio de orelhão, e as que possuem mais de 300 habitantes, por telefonia fixa individual, pela concessionária de telefonia fixa local, independentemente da distância do distrito-sede.
Alguns estados têm iniciativas junto às concessionárias para tentar alastrar internet para o campo, Minas Gerais e Pernambuco são exemplos. Sobre esse tipo de política pública, a Anatel não tem responsabilidade. O especialista em tecnologia no campo, Fabricio Figueiredo—gerente do Agronegócio Inteligente do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD) –, alerta que a falta de conexão atinge os principais estados produtores do país. “O Centro-Oeste e o Norte são as regiões com maiores problemas, e as duas áreas têm produção agrícola importante”. Na região Centro-Oeste estão dois dos quatro maiores produtores de grão do país: Mato Grosso, com 58 mil toneladas, e Goiás, 22 mil toneladas. Mas também existem locais sem redes, onde a internet no meio urbano não é um problema, como São Paulo. “A 30 quilômetros de Ribeirão Preto, local de intensa produção, não se tem sinal de internet”, pontua Figueiredo.
Internet no campo
Para utilizar o potencial tecnológico no campo, alguns desenvolvedores estão apostando na inovação. O CPqD desenvolveu um projeto junto à usina de cana de açúcar São Martinho, localizada em Pradópolis, no interior de São Paulo, para aumentar a eficiência da colheita. O assessor de tecnologia da empresa, Walter Marccheroni, aponta que um dos principais desafios trata da logística. “A frota que transporta cana percorre em média 46 mil quilômetros por dia. Todos os veículos dão duas voltas na terra por dia. São cinco mil máquinas operando, então monitorar toda frota é fundamental”. Marccheroni ainda explica que devido ao grande volume, qualquer tipo de economia representa um ganho substancial para a empresa.
A solução desenvolvida pelo CPqD é composta de uma estação Rádio Base (eNode B) e de terminais veiculares adaptados aos requisitos operacionais das usinas de cana. Esses terminais são instalados em colhedoras, tratores e caminhões que fazem o transporte da cana, como explica Fabrício Figueiredo do CPqD. “Nós operamos em uma faixa designada pela Anatel como Serviço Limitado Privado (SLP). O que fizemos foi trazer o 4G para operar nesta faixa de frequência. O produtor monta uma rede própria”. As estações Rádio Base conseguem captar o sinal a uma distância de 40 quilômetros sem obstáculos. “Esse sistema permitirá a coleta de dados no campo e seu envio, em tempo real, para bancos de dados e aplicativos, proporcionando aumento da eficiência operacional e, consequentemente, da produtividade no campo”, acrescenta o gerente do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações. Na São Martinho, foram instaladas seis estações Rádio Base e terminais nos tratores, mas isso não é obrigatório. O produtor pode instalar os terminais em pontos-chave da plantação e o maquinário envia os dados para eles e faz o contato com as estações.
O projeto ainda está em fase piloto. Atualmente, o assessor de tecnologia da São Martinho explica que eles só ficam sabendo dos problemas nos tratores depois de até 72 horas. “Temos as informações dos tratores coletadas por cartões de memórias. A análise de todo o material demora em média três dias. Então só sabemos dos problemas mecânicos dos equipamentos, ou mesmo de eventuais trajetos equivocados, depois que a problema já está em curso”. Com a implementação da rede, o problema alerta em tempo real. “Ou seja, não vou esperar uma máquina quebrar para fazer manutenção. Ou deixar uma colheitadeira fazer um caminho pouco produtivo. A eficiência vai aumentar muito. Gastamos com combustível 150 mil litros de diesel por dia, qualquer quilômetro a menos gera economia”.
Uma das descobertas já realizadas pela empresa diz respeito à saúde do maquinário. Ao analisar os dados dos cartões de memória, se descobriu que as máquinas operam em média 9h30 por dia. Sendo que a colheita ocorre 24 horas por dia. Ou seja, as 14h30 restantes são de manutenção. “A análise de dados já nos revelou, também, que 24 horas antes de uma máquina quebrar, a bomba de óleo oscila. Com a informação em tempo real, podemos mandar o trator para manutenção antes da parada total”.
Esse é apenas um dos exemplos dos benefícios que a internet pode trazer. O presidente da ABDI, Guto Ferreira, lembra que a internet não ajuda apenas os grandes produtores como a São Martinho. “Existem aplicativos simples que ajudam o pequeno produtor de leite, por exemplo, a controlar o rebanho”. A Sondagem de Inovação, divulgada pela ABDI no fim de abril, mostrou que o sistema produtivo do agronegócio é o único no qual as empresas estão investindo mais em inovação. O índice cresceu em 2017 pelo terceiro trimestre consecutivo, atingindo 108 pontos, em uma escala de 200. Foi um avanço de 5,5 pontos em relação ao terceiro trimestre do mesmo ano. Ferreira aponta que, pouco a pouco, os produtores estão percebendo a importância da tecnologia. “Os produtores brasileiros já perceberam que investimento em inovação garante mais rendimento no campo”.