Imagina percorrer um evento como o Rock in Rio, ou a Game XP, no meio de uma multidão e em uma área de 40 mil m², o tamanho do Parque Olímpico da Barra, em uma cadeira de rodas? Isso porque a sede das Olimpíadas e Paralimpíadas Rio 2016, que também recebe as atrações da música e dos jogos eletrônicos já é acessível. Mas para dar autonomia e independência às pessoas com deficiência, uma solução foi disponibilizada ao público.
Trata-se de uma “motinha”, nas palavras do diretor de marketing da empresa Kit Livre, Cassius Oliveira, que é acoplada à cadeira de rodas. Com motor capaz de alcançar até 60 km/h – os itens vendidos são limitados para chegar a no máximo 20 km/h – e com diferentes tipos de pneus, o equipamento é capaz de andar na areia, subir e descer escadas e é usado até para fazer manobras radicais pelos cadeirantes.
“A gente busca atender todas as frentes, entender como são os diferentes tipos de lesão, combinar com o peso das pessoas, o uso, para então fazemos um modelo personalizado”, destaca Oliveira. O kit está disponível para o público usar na Game XP, basta um cadastro no estande da empresa. A experiência foi inaugurada no Rock in Rio, por iniciativa do coordenador de acessibilidade do evento, Thiago Amaral.
“Mostramos que é possível um festival deste porte ser acessível, então a ideia é que isso se espalhe para festivais menores”, comenta Amaral, que teve uma lesão na coluna em um acidente de carro. “Um exemplo pequeno: sem o Kit Livre, eu teria que pedir alguém para poder passar pelos cabos no piso, porque eu não tenho controle de tronco e não tenho força na mão”, prossegue Thiago, que tem um kit personalizado, com o freio na parte de baixo do guidão para poder usar com o pulso.
A ideia surgiu do projeto de mestrado do fundador da empresa, Júlio Oliveto, ainda em 2013. Hoje PhD em mecatrônica, ele recebeu dos professores a orientação de que o kit poderia ser um grande negócio. Depois de vencer prêmios e conseguir investidores, o equipamento ganhou as ruas. O preço varia de R$ 3.990 a R$ 11.990 dependendo do tipo de bateria, potência do motor e modelo.
A empresária Ana Célya fez o cadastro para retirar o equipamento na Game XP. Com uma artrose decorrente da doença lúpus, ela quer ter maior facilidade para circular pelo Parque, independente da ajuda do marido. “Quero que o kit me ajude a ver o evento todo”, disse.
Realidade virtual
Um desdobramento do projeto do kit está em uso na Game XP: um jogo em realidade virtual que simula uma corrida em cadeira de rodas, o Livre Xperience. O objetivo é passar a sensação e dificuldades de um cadeirante para um andante.
"O jogo é muito sensível, eles conseguiram traduzir a experiência real”, comenta Júlia Matosinho, estudante que auxilia a equipe na organização do estande da empresa e também usa o kit, mesmo tendo uma cadeira de rodas motorizada. “É uma ferramenta que dá muita mobilidade, a cadeira entra nos lugares com mais facilidade, em compensação, na rua me sinto muito mais segura com o kit, por causa das rodas maiores”, detalha.
O casal Rafael do Carmo e Raiana Gluck, que viajaram de Novo Hamburgo (RS) especialmente para o evento gamer, entrou na fila para experimentar o Livre Xperience. “Chamou a nossa atenção ver as crianças em pé e ver a cadeira de rodas para jogar. Geralmente a adaptação é feita para os cadeirantes e este jogo tem a lógica inversa, ele é adaptado para quem não tem deficiência”, analisa a estudante de direito. “Interessante que os avatares são cadeirantes”, observa o aluno de ciência da computação.
Necessidade não é luxo
A tecnologia tem ajudado a melhorar a vida das pessoas com deficiência nas tarefas mais básicas do dia a dia. A Internet das Coisas (IoT) possibilita a automação residencial e a possibilidade de ligar e desligar lâmpadas, ar condicionado e outros equipamentos pelo toque no celular. O tema foi debatido no palco da Inova Arena, que apresentou projetos como o Lebraile, dispositivo móvel para deficientes visuais.
“Víamos aplicativos para aprender as mais variadas línguas e não tinha para braile. Pensamos em um equipamento pequeno, portátil e de baixo custo”, descreve Paulo Eduardo, integrante do projeto que está em fase de validação.
Um site vai estar conectado ao aparelho e tudo o que estiver assinado nele será traduzido automaticamente, como textos e legendas de filmes. O dispositivo que utiliza componentes de IoT poderá ser usado em diversos locais. “A primeira vez que chamamos um deficiente visual e ele disse que conseguia ler, a gente sentiu que devolvia algo para o mundo, foi muito gratificante”.
Enquanto certas tecnologias representam apenas um conforto a mais para algumas pessoas, para outras como Nelson Mattos Jr, monitor em uma Lan House no projeto Nave do Conhecimento, elas são uma necessidade. “Compraria o Kit Livre para ir até a padaria. A minha rua é de paralelepípedos e estraga a cadeira de rodas. Também teria para tomar sol na praia, ver ele se pôr e ficar até mais tarde”.