Desde menina me acostumei a ver fumaça no céu e a tossir com a fuligem das queimadas. Isso só acontecia no fim do mês de setembro, quando a certeza do início do período chuvoso na Amazônia obrigava o pequeno agricultor a encoivarar o roçado aberto ou a tocar fogo em pedaços de mata para abrir o roçado que sustentava a sua família.
Porém, os incêndios e queimadas que desde agosto encobrem nossos céus de fumaça, tem me assustado e me preocupado. A agricultura de subsistência nunca foi capaz de tanto fogo e é preciso saber desses focos. O uso do fogo já não cabe mais nas tecnologias do século 21, e essa tragédia cobra responsabilidade de todos nós. Aqui, a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) traz a sua resposta com a nova Pesquisa de Inovação Semestral (PINTEC Semestral), realizada em parceria com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Inovação e boas práticas na indústria brasileira acontecem em intervalos extremos, indo de exemplos de excelência até bolsões de atraso. Essa é outra desigualdade, nem sempre vista como tal, entre tantas que desafiam o país e precisam ser superadas para que o Brasil possa consolidar um projeto nacional de desenvolvimento sustentável. Para orientar a formulação de políticas públicas que disseminem conhecimento, novas tecnologias, inovação e boas práticas, é indispensável produzir estatísticas sólidas que ajudem a traçar um panorama do real estado da arte da indústria brasileira e apontar possibilidades de futuro. Nossa pesquisa está aderente à Nova Indústria Brasil (NIB), porque é capaz de fortalecer o impulsionamento de ciência, tecnologia e inovação a partir da sistematização de informações de qualidade. O caráter transversal desse trabalho o torna um eixo de apoio ao conjunto de missões da NIB.
Coerente com o nosso gosto pela inovação, construímos essa recém-lançada edição da PINTEC a partir de uma configuração inédita, aprofundando sondagens que buscam jogar luz sobre fatores que dificultam ou facilitam a inovação de iniciativas no setor público e privado e aborda práticas ambientais e biotecnologia, questões relacionadas a recursos hídricos e sólidos, eficiência energética, uso do solo, reciclagem e reuso, além de emissões atmosféricas, item que ressalta o acerto da sondagem proposta frente ao momento dramático causado pelos incêndios e pela fumaça que ocorrem de norte a sul do país. Além de investigar a visão empresarial acerca de instrumentos de políticas públicas, busca identificar relações de cooperação estabelecidas pelas empresas para a adoção de iniciativas ambientais.
Essas informações devem orientar os esforços da NIB relacionados à missão que trata de bioeconomia, descarbonização, transição e segurança energéticas, inclusive para garantir o legado dos recursos naturais às futuras gerações. O tema perpassa a missão de identificar e fortalecer cadeias agroindustriais sustentáveis para a segurança alimentar, nutricional e energética. Associa-se ainda a outras iniciativas do Governo Federal, como a Política Nacional de Transição Energética, que atenta para a diversificação e o fortalecimento de fontes renováveis.
Todos esses esforços convergem para estimular o desenvolvimento a partir de relações sustentáveis com a natureza e seus biomas, de modo a possibilitar a geração de riqueza e sua distribuição justa e inclusiva. Nesse contexto emerge o conceito de neoindustrialização, propondo o desenvolvimento industrial sustentável com foco na agregação de valor, na produção limpa, no consumo consciente e nas fontes renováveis de energia. A ABDI está comprometida e mobilizada para esse esforço, tanto que reestruturou sua organização corporativa para implantar a Diretoria de Economia Sustentável e Industrialização.
A PINTEC Semestral é uma ferramenta extraordinária disponibilizada à indústria nacional, com dados estruturados sobre motivações, resultados, os obstáculos e as soluções identificadas pelas empresas na busca por uma indústria mais limpa e ambientalmente sustentável. Aportando recursos técnicos e financeiros, mobilizando parceiros e direcionando esforços para as prioridades identificadas em pesquisa tão excelente e inovadora, a ABDI se alia aos esforços do governo brasileiro, do setor produtivo e, notadamente, da sociedade, que pede compromisso e urgência para o desenvolvimento sustentável do país.
Por fim, sinais de fumaça gritam de norte a sul do país e esses incêndios devem ser apagados, mas não esquecidos. Estudos como a PINTEC alentam com alguma chance. Talvez a última.
* Perpétua Almeida é diretora de Economia Sustentável e Industrialização na ABDI. Foi deputada federal pelo Acre por quatro mandatos, foi presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos Deputados e ocupou a Secretaria de Indústria de Defesa do Ministério da Defesa.